Por Silvia Boriello, Renata Martorelli e Marta De Divitiis
Confecções brasileiras buscam soluções para momento ímpar no setor
Começar o ano com aumento no déficit da balança comercial não é das notícias mais agradáveis. Entre janeiro e março deste ano, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), esse aumento foi de 23,7% (excluída a fibra de algodão), em comparação ao mesmo período de 2011. As exportações caíram 10,5% (US$ 305 milhões) e as importações, em contrapartida, aumentaram 16% (US$ 1,76 bilhão), deixando o déficit em US$ 1,45 bilhão. A geração de empregos ficou 61% menor que em 2011 na mesma época (7.808 em janeiro e fevereiro de 2012 contra 12.779 nos mesmos meses do ano passado), e as produções de têxteis e vestuário, de acordo com dados do IBGE, declinaram 7,76% e 19,55%, respectivamente, enquanto no varejo a queda foi de 0,89%. O que isso significa? Que as importações continuam a todo o vapor. No Impostômetro instalado na Abit, de 1º de janeiro de 2012 até o fechamento desta matéria, as importações passavam de US$ 2,5 bilhões, número que cresce a cada segundo, com indícios de que não vai baixar tão cedo.
Uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgada em 19 de março, chamada “Coeficientes da Abertura Comercial” (com dados do IBGE e da FGV), diz que praticamente um em cada cinco produtos industriais consumidos no país em 2011 foi importado, ou seja, um quinto do que circula nas prateleiras não foi produzido aqui, um recorde para a indústria. Foram analisados 27 setores, e os que mais sofreram influência das importações foram o de eletrônicos (especialmente celulares), informática, ópticos, bicombustíveis e derivados de petróleo, e claro, o setor de vestuário, como bem sabemos. Flávio Castelo Branco, gerente-executivo da Unidade de Política Econômica da CNI, diz que esse recorde se deve ao aumento do consumo interno, à valorização cambial, aos incentivos de ICMS, aos custos sistêmicos de importações, aos altos juros e impostos e à infraestrutura deficiente, e que esse porcentual deve aumentar este ano. “Se nada for feito para atenuar os custos sistêmicos, o quadro deve se agravar, com o crescimento da economia sendo limitado pelo baixo desempenho da indústria este ano”, afirmou.
Somente entre janeiro e fevereiro de 2012, foram importadas 9.338 toneladas de vestuário (em 2011 todo foram 30.424 toneladas) e 14.507 toneladas de têxteis, entre fios e tecidos (sendo 95.496 toneladas em 2011). Traduzindo em moedas, já se foram US$ 178.987 milhões em importações de vestuário no primeiro bimestre e mais US$ 78.106 milhões em outros materiais têxteis somente por movimentação marítima, conforme dados da Companhia Docas do Estado de São Paulo, no Porto de Santos, o mais movimentado da América Latina.
Marcelo Villin Prado, diretor do Instituto de Estudos e Marketing Industrial (Iemi), diz que a projeção para os próximos cinco anos é de que haja uma pequena queda e estagnação na produção de vestuário, que a participação dos importados no varejo, que hoje é de 9,3%, seja de 25% até 2015, e que o consumo crescerá de 3% a 6% ao ano, no máximo. “Isso limitará a indústria nacional. Se o real ficar muito valorizado, os impostos ficarem como estão e os portos mantiverem o compromisso de limitar a entrada de produtos, esse quadro pode declinar”, afirma Marcelo, referindo-se às medidas anunciadas recentemente pelo governo federal para ajudar o setor.
MEDIDAS EMERGENCIAIS
Há muito tempo empresários e entidades de classe como a Abit, por meio da Frente Parlamentar Mista José Alencar, vêm pedindo ao governo federal intervenções para que o setor têxtil e confeccionista brasileiro volte a ter condições de competir de igual para igual com outros mercados, especialmente o asiático. Em março deste ano, a presidente Dilma Rousseff convocou uma reunião com líderes empresariais de todo o país no Palácio do Planalto, em Brasília, para ouvir deles o que a indústria de transformação vem passando e as medidas a serem tomadas em caráter de urgência para que consigam sobreviver e não haja uma grande desindustrialização no país. Estiveram presentes também os ministros Guido Mantega (Fazenda) e Fernando Pimentel (Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior). Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), em declaração ao final da reunião, disse que a presidente saiu sensibilizada com a situação e entendeu que o setor industrial precisa de uma atenção especial neste momento, por questões conjunturais que roubam a competitividade brasileira, como câmbio, juros altos e custo de energia, entre outros.
Entre as medidas anunciadas pela presidente Dilma Rousseff na reunião do dia 3 de abril do Programa Brasil Maior (que beneficiará 15 segmentos da indústria, entre eles o têxtil e o de vestuário), as principais que influirão diretamente em nosso setor são:
- Desoneração da folha de pagamento, tirando os 20% da contribuição previdenciária patronal e fixando uma alíquota única de 1% sobre o faturamento, exceto sobre produtos para exportação, fazendo com que mais empregos sejam gerados e formalizados, gerando uma renúncia fiscal de R$ 7,2 bilhões;
- Aumento de PIS-Confins sobre a alíquota de faturamento em cima dos importados;
- Unificação das tarifas de ICMS estaduais sobre produtos importados em 4%;
- Postergação do prazo de recolhimento de PIS e Confins de abril e maio para novembro e dezembro;
- Prioridade para bens e serviços nacionais nas compras governamentais, com margem de preferência de 25% sobre os importados;
- Redução de juros;
- Aumento do volume de crédito;
- Melhora nas condições de financiamento do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), do BNDES, que recebeu um aporte de R$ 45 bilhões do Tesouro Nacional;
- Ampliação do Programa de Financiamento à Exportação (Proex);
- Assinatura de convênio entre Receita Federal e Inmetro para aprimorar a fiscalização da entrada de mercadorias importadas.
De acordo com o ministro Guido Mantega, essas medidas deverão entrar em vigor em 90 dias a partir de seu anúncio, exceto o ICMS de 4%, que valerá a partir de janeiro de 2013, dando fim à chamada “guerra dos portos”.
Para o presidente da Abit, Aguinaldo Diniz Filho, as medidas foram positivas e certamente causarão impacto na indústria, porém as considera pontuais. “São necessárias mudanças contínuas e profundas nas estruturas de produção. As que foram apresentadas pela presidente mostram uma sensível preocupação com a desindustrialização e a redução de empregos no país. Não tornam o Brasil competitivo, mas o colocam no caminho certo”, declarou.
No dia 25 de abril, outra reunião foi feita entre os deputados da Frente Parlamentar Têxtil e o ministro do MDIC, Fernando Pimentel, a fim de discutir outras formas de aumentar a competitividade do setor, como revisão de salvaguardas, pois, segundo Pimentel, diretor-superintendente da Abit, o Brasil vive um surto de importações agravado pela crise de consumo na Europa.
ORIGEM DO PROBLEMA
O momento vivido por vários setores produtivos brasileiros tem reflexos vindos diretamente da política adotada no país e também fora dele.
Centrada na Zona do Euro, a crise que vivemos é uma segunda fase de uma crise maior, deflagrada no segundo semestre de 2008, quando o grande banco de investimentos Lehman Brothers entrou em falência por ter feito – como muitos outros bancos – apostas altamente arriscadas no mercado financeiro. “A economia funciona como um jogo de dominó, isto é, um equilíbrio delicado que exige coesão entre as partes que compõem o todo. Assim, quando um grande banco quebra, todos aqueles que estão direta ou indiretamente ligados a ele acabam sofrendo efeitos mais ou menos intensos. Nesse caso, o Lehman Brothers era um banco de expressiva importância no sistema financeiro mundial, o que explica o início da crise bancária, que rapidamente se espalhou mundo afora, dada a íntima conexão entre os bancos no sistema financeiro mundial. Os governos foram, então, a campo para salvar os bancos e concederam vultosos empréstimos a eles. Vários países se endividaram para conseguir fazer isso, como foi o caso dos que fazem parte da Zona do Euro, como Irlanda, Portugal, Espanha e Itália. A dívida privada dos bancos tornou-se dívida pública dos governos que os salvaram. A crise bancária tornou-se, portanto, crise de dívida soberana desses países. Nesse sentido, a crise europeia, que demora a terminar, é uma segunda rodada da crise de 2008”, explica André Roncaglia de Carvalho, professor de Macroeconomia e Economia Brasileira na Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap) e editor do blog de assuntos econômicos O Barômetro.
Para Alcides Leite, professor de economia da Trevisan Escola de Negócios, “a injeção de recursos públicos no sistema financeiro gerou grande aumento dos déficits e da dívida pública. A dúvida sobre a capacidade que os governos têm de honrar suas dívidas tem gerado recessão em vários países, sobretudo na Zona do Euro”.
Diante da situação econômica mundial e nacional, o setor têxtil e confeccionista tem enfrentado problemas para crescer e seguir adiante, por diversos motivos.
Para Roncaglia, os efeitos da crise sobre a indústria têxtil e confeccionista dizem respeito à taxa de câmbio. “Como a política monetária dos países desenvolvidos tem jogado trilhões de dólares no mercado internacional, muito desse montante acaba encontrando destino no mercado brasileiro, que oferece uma taxa de crescimento robusta, ainda que pequena, com juros elevadíssimos (em torno de 10% ao ano) e um câmbio valorizado. Essa combinação gera elevados ganhos de capital financeiro. Contudo, ao tomar essas medidas, esse capital aumenta a oferta de dólares, baixando ainda mais a taxa de câmbio, isto é, valorizando o real. O efeito é um barateamento do produto internacional, o qual concorre com a indústria nacional”.
É aí que a indústria nacional fica vulnerável à concorrência externa, graças à elevada carga tributária, o que resulta na destruição lenta dos lucros do setor, com forte impacto sobre as possibilidades de crescimento. “A alternativa é o outsourcing, isto é, transferir a cadeia de fornecimento para fora do país, uma vez que sai mais barato trazer de fora uma série de componentes e insumos produtivos – quando não o produto final – do que produzir aqui dentro, sob essas condições. O resultado é a eliminação de diversas etapas da matriz industrial em prol da importação, com efeitos deletérios sobre o emprego e a produção”, explica Roncaglia.
Alcides Leite acredita que, além do problema com o câmbio, a crise no setor têxtil brasileiro tem como um dos principais motivos o alto custo da produção, que se deve à elevada taxação sobre as atividades produtivas e sobre a mão de obra. “O sistema tributário nacional eleva os custos dos insumos, da distribuição e da mão de obra. Com o real sobrevalorizado, o produto importado entra no Brasil com preço reduzido, tornando mais vantajoso importar do que produzir no país. Não somente o consumidor final passou a preferir comprar produtos importados, mas também as empresas passaram a importar peças, componentes, insumos etc., para baratear as suas produções”, diz.
Os aumentos de custo de produção fizeram a Riachuelo fechar mais de mil postos de trabalho no Rio Grande do Norte e importar parte da produção da China, enquanto amplia sua presença no Ceará e pretende construir fábricas no Centro-Oeste. Seu presidente, Flávio Rocha, que aposta na ampliação de seu parque industrial para atender os novos consumidores, aponta, além dos altos tributos, a alta taxa de juros, os encargos trabalhistas e o alto custo da energia elétrica entre os problemas indicados. Além disso, de acordo com ele, as medidas anunciadas estão no caminho certo, mas ainda há muito o que fazer.
E isso é o que vemos em todas as grandes redes de loja presentes no país, onde 20% dos produtos à venda são importados. Procuradas pela redação, não quiseram falar sobre o assunto.
Muitas confecções nacionais também têm procurado importar uma parte dos produtos que antes eram fabricados aqui, colocando apenas sua etiqueta, e outras estão transferindo a produção para países próximos, como o Paraguai. Temos que ficar de olho!
Na opinião de Sergio Augusto Lourenço, superintendente de Desenvolvimento Empresarial da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), o constante processo de desindustrialização brasileiro, o aumento das importações e a consequente redução de postos de trabalho fragilizam o país. Para reverter esse processo, iniciado há bastante tempo, várias outras medidas se fazem necessárias, não apenas as anunciadas pelo governo, que revelam sua boa vontade. A pergunta é: haverá tempo suficiente para isso acontecer?
CENÁRIO ÍMPAR
As flutuações econômicas pelas quais o Brasil já passou e ainda passa influenciaram de diferentes maneiras, positiva ou negativamente, a atividade industrial no país. A inflação galopante da era Sarney, o Plano Collor, o Plano Real, entre outros, mostraram várias facetas de nossa indústria. “Já tivemos outros períodos difíceis, como nas décadas de 1980 e 1990, no processo de estabilização da moeda argentina, com arrocho econômico, restrição salarial, desemprego, consumo menor. Mas, depois de 2003, o setor têxtil e confeccionista deu uma guinada em sua produção. O melhor ano da história do setor foi 2010”, relembra Marcelo Prado, do Iemi, destacando que em 2011 houve uma queda de 2% na produção.
“Em meus 35 anos trabalhando no setor, nunca vi um cenário tão crítico como esse, com inconstâncias futuras. Os países asiáticos estão pautados pela exportação e, com a retração dos mercados norte-americano e europeu, queda de consumo, recuperação lenta das economias centrais e uma demanda agressiva, o Brasil virou o foco desses produtos”, revela Fernando Pimentel, da Abit. Para ele, não podemos aceitar de forma passiva que manipulem essas variáveis competitivas. Temos commodities, sim, mas nosso setor produtivo precisa acompanhar esse crescimento também. “O governo tem nos ouvido, estamos avançando na reforma tributária, e o Poder Executivo criou o Conselho de Competitividade, composto de alguns setores mais afetados pelas importações, porém o tamanho do desafio aumentou. Precisamos de medidas de defesa integradas, como antidumping, salvaguardas, melhores condições logísticas em estradas, ferrovias, portos e aeroportos, melhor fiscalização, internet mais ágil, educação de qualidade, redução do preço da energia elétrica (a mais alta do mundo), educação de qualidade, impostos diferenciados para o setor, entre outras reformas tributárias que simplifiquem e desburocratizem no geral. Mas o tempo é o ponto principal, precisamos agir com urgência, senão os empresários não aguentarão”, ressalta Pimentel.
MOBILIZAÇÃO
Frente à estagnação da indústria em geral, federações, associações e sindicatos têm se unido para mostrar aos quatro cantos o que vem acontecendo, tentando chamar a atenção da população e do governo. O “Manifesto contra a Desindustrialização”, surgido da união de empresários industriais e centrais sindicais de São Paulo, desdobrou-se no “Grito de Alerta”, mobilização itinerante que aconteceu em 4 de abril em São Paulo, na Assembleia Legislativa, e seguiu para outros estados, como Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Distrito Federal, surgiu com esse intuito, reunindo milhares de pessoas a favor dos empregos no Brasil. A Abit, o Sinditêxtil-SP, a Fiesp e outras instituições apoiaram a ação, e Paulo Skaf enfatizou que as medidas anunciadas pelo governo são pontuais e insuficientes, dizendo que é mais caro produzir aqui no Brasil do que nos EUA ou na Europa, o que atrapalha nossa competitividade. Alfredo Bonduki, presidente do Sinditêxtil-SP, salientou que, só em 2011, a indústria têxtil paulista perdeu mais de 20 mil empregos. “Devemos dar condições para que a produção nacional se fortaleça”, declarou.
REFLEXO EM TODO O PAÍS
A crise tem atingido a indústria nacional como um todo, mas em alguns estados de formas diferentes. No Espírito Santo, por exemplo, além de abalar as empresas da Grande Vitória, as espalhadas por quase todas as regiões vêm sentindo a queda. “O setor têxtil nacional, particularmente, registrou a maior queda na produção física industrial (-15%, de acordo com o IBGE) em 2011, entre todos os segmentos da indústria nacional. No Espírito Santo não tem sido diferente, com quedas na ordem de 50% ou mais no faturamento real do setor a cada mês que se passa. Isso tem provocado o fechamento de empresas e afetado seriamente a capacidade competitiva do setor de confecções capixaba. Trata-se de uma situação muito negativa para o estado, pois os segmentos de confecções, calçadista, têxtil e de acessórios tradicionalmente empregam bastante mão de obra, feminina em quase sua totalidade, e o desemprego gerado pelo fechamento de empresas provoca um grave impacto social e um retrocesso na expansão do desenvolvimento econômico do Espírito Santo”, declara Marcos Guerra, presidente da Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes).
Sobre o fato de o Porto de Vitória ser considerado um dos que mais recebem produtos de vestuário importados, Guerra diz que o combate tem que ser feito para ajudar a indústria nacional, porém a Findes é contra a chamada “guerra fiscal entre os estados”, pois exercer o protecionismo por si só não gera resultados práticos. O que realmente pode tornar a indústria mais competitiva demanda ações mais objetivas por parte do governo federal. Segundo ele, “a fixação da alíquota do ICMS estadual em 4% provocará a extinção do Fundo para o Desenvolvimento das Atividades Portuárias no Espírito Santo (Fundap), um fundo com mais de 40 anos e que atua diretamente no desenvolvimento dos municípios capixabas por meio do repasse de recursos que são investidos em infraestrutura e logística. É notório que o nosso estado, nos últimos dez anos, foi um tanto quanto deixado de lado pelo governo federal em relação a investimentos em infraestrutura, e o Fundap garantia certa independência para sanar os gargalos logísticos locais, criando toda uma cadeia evolutiva que deve sofrer gravíssimos impactos com o fim desse fundo. Corremos o risco de retroceder mais de quatro décadas de evolução conquistada à base de um potencial logístico que simplesmente pode ser desperdiçado”.
José Carlos Bergamini, empresário do setor confeccionista e vice-presidente da Câmara do Vestuário do Espírito Santo e membro do Sindicato da Indústria de Confecções de Roupas em Geral do Estado do Espírito Santo (Sinconfec), explica que, para compensar o que a união arrecada e não devolve com equidade, um instrumento que o estado detinha era o incentivo para importar pelos portos do Espírito Santo, o que permitia que o estado tivesse um governo organizado, viável e estável. “Isso nos foi tirado e nada foi oferecido como compensação. Estamos preocupados porque se fala, também, na retirada dos royalties do petróleo. As perdas do estado já vêm de muito longe, especialmente a partir da Lei Kandir. Mas vamos em frente, o governo do estado está atento, o Espírito Santo está organizado, seguro e bem posicionado na geografia do Brasil. O povo é bom, é qualificado, muito trabalhador. Com trabalho e muita criatividade, vamos vencer, e o Espírito Santo continuará sendo um ótimo lugar para se investir, trabalhar e viver”, reflete Bergamini.
Ele explica que, em sua visão, não encara esse período como uma ameaça, mas sim como desafios a serem vencidos. “Os entraves são mais nossos do que, por exemplo, da Ásia. Os maiores juros, a maior carga tributária, a pior infraestrutura, a baixa qualidade do sistema educacional e a consequente desqualificação do trabalho. Até a energia elétrica, que no Brasil é produzida com água que cai do céu de graça, é, também, a mais cara. Tudo isso são problemas nossos que somente nós devemos resolver. Percebo que vivemos um momento de profundas reflexões. A China está certa, são 1.300.000 pessoas unidas em um único projeto de nação, focado no objetivo de torna-lá a protagonista do mundo. Também é certo que as dificuldades que o setor vive não são causadas somente pelos problemas estruturais do país. Os empreendedores do setor precisam de mais proatividade, investir na melhoria do parque fabril, no processo criativo, na gestão da marca, visando ao fortalecimento comercial. É preciso trabalhar com planejamento, atuar com estratégias, com foco e ter visão de logo prazo. Muitas vezes reclamamos muito e fazemos pouco para mudar a situação. Espírito associativo e participação no associativismo são necessidades primárias nos tempos modernos. Para competir é importante identificar expertises, estabelecer parcerias, trabalhar com arranjos que se completam para permitir a produção em escala e, assim, racionalizar custos e potencializar resultados. Governo e empresários cada vez mais precisam estar juntos, pois os objetivos são comuns. Afinal, queremos um Brasil melhor para trabalhar e viver, ou quem gostaria de se mudar para a China?”.
Bergamini destaca ainda uma ação muito favorável no Espírito Santo: o governo estadual vai reduzir o ICMS e, com o porcentual referente à redução, as empresas formarão um fundo para se desenvolver, com os recursos aplicados no processo criativo, na gestão das marcas e no fortalecimento comercial. Ponto para eles!
No Rio de Janeiro, o empresariado do setor vem enfrentando, além da concorrência com os produtos asiáticos, a falta de mão de obra qualificada. “Para se manterem na competição, nossos empresários têm sido ‘forçados’ a comprar tecidos e aviamentos asiáticos para baratear o produto final; outros estão comprando peças acabadas. Todos perdem, principalmente os trabalhadores”, alerta Victor Misquey, presidente do Moda Rio e conselheiro da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan). Ele relata que o descaso com o setor por parte do poder público vem de longe, e tem se intensificado ainda mais com o foco nas Olimpíadas e na Copa do Mundo. “Muitos fecharam suas fábricas. Hoje, apesar das medidas insuficientes anunciadas pelo governo federal, tem muita gente com dificuldades em honrar seus compromissos e pensando em fechar a empresa. Por outro lado, o empresariado carioca é muito versátil e tem apostado na criatividade e no design como diferenciais.”
Misquey ressalta que a Firjan, há cerca de dez anos, vem investindo na indústria criativa como pode, por meio do Senai Moda e Design, dos sindicatos e de outras instituições parceiras, apostando no Fashion Rio e em sua feira de negócios, o Rio-à-Porter, na Semana Alto Verão Carioca e no Giro Senai, apoiando os polos de moda em todo o estado. “Mas ainda há muito que fazer, devido aos mais de 30 anos de descaso e abandono do setor”, comenta.
São Paulo vem sofrendo as excessivas importações de produtos acabados oriundos da China, e o presidente do Sindivestuário-SP, Ronald Masijah, diz que não é contra a importação, mas que ela seja dentro de um universo controlável, e não o descontrole que estamos vivendo hoje. “Mecanismos que restrinjam essas importações ajudam, mas o que nos beneficiaria mesmo são as desonerações tributárias e trabalhistas. Os encargos são elevadíssimos, e quem ganha com isso senão somente o governo, com seu apetite voraz por arrecadar impostos? O Brasil precisa andar, e os entraves que a carga tributária e trabalhista causam engessam todo o processo produtivo interno. Precisamos girar a roda para frente, com menores juros, redução de encargos e estímulo ao emprego”, declara.
No Ceará, o presidente do Sinditêxtil-CE, Germano Maia, destaca que o sindicato tem participado de ações desenvolvidas em âmbito nacional. “Ao se articular na busca de estratégias benéficas para as empresas locais, o Sinditêxtil-CE tem encontrado um ambiente transparente e propício por parte do governo do Ceará na construção de soluções concretas, com o intuito de mitigar algumas desvantagens que as empresas têxteis instaladas no estado têm, como a falta de logística, de matéria-prima, o alto custo da energia, entre outros aspectos”, diz Maia, que também ressalta a atuação da Federação das Indústrias do Ceará (Fiec) em articular entidades do setor têxtil e confeccionista com ações que envolvem a capacitação de mão de obra, novas tecnologias, análises de mercado e emprego, investimentos em programas e políticas que fortaleçam seu desenvolvimento e crescimento.
No Paraná, mais precisamente em Maringá e região, os primeiros a sentir os reflexos da importação dos produtos têxteis foram as empresas que faccionam para marcas de São Paulo. “A queda na procura por facções na nossa região foi significativa e algumas empresas chegaram a trabalhar pelo custo para não demitir todos os funcionários”, conta Cássio Murilo Almeida, empresário, presidente do Shopping Atacadista Vestsul e presidente do Sindicato da Indústria do Vestuário de Maringá (Sindvest Maringá). O sindicato está realizando algumas ações para conscientizar os empresários e a população sobre os efeitos negativos da aquisição de produtos importados, além de apoiar ações, como a realizada pela Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), para arrecadação de assinaturas para a campanha Moda Brasileira: Eu Uso, Eu Assino! em prol do produto nacional. Almeida afirma que o principal motivo que levou o setor confeccionista a importar produtos chineses em vez de produzir no país foi o fato de os impostos tornarem a concorrência desleal. Mas, apesar disso, os chineses ainda não conseguiram atender os clientes no quesito rapidez, o que acaba se tornando uma carta na manga para o produto nacional. “Hoje, se o cliente gosta de um produto que apareceu na televisão, na semana seguinte ele encontra o mesmo modelo, com qualidade, nas nossas prateleiras. Para nós, o fast fashion é um grande nicho de mercado, já que conseguimos atender os desejos dos clientes na velocidade que eles exigem.”
Em Santa Catarina, o setor emprega hoje 170 mil pessoas, em mais de 9 mil estabelecimentos espalhados pelo estado, que continua sendo o segundo polo têxtil brasileiro. Sergio Luis Pires, presidente da Câmara de Desenvolvimento da Indústria Têxtil e do Vestuário de Santa Catarina (Fiesc), diz que, apesar dos números serem robustos, eles demonstram o estrago que o estado está sofrendo frente a números alarmantes de importados que entram no país por todos os portos e aeroportos. “Em 2000, Santa Catarina respondia por apenas 7% de todo o volume importado pelo Brasil. Hoje esse número chega a 28%. Em contrapartida, o estado exportava no ano 2000 25% do total que o Brasil exportava, e hoje este porcentual não chega a 6%.”
WR LOJA VIRTUAL
Para ele, é natural que o setor busque em outros países melhores oportunidades para complementar seu negócio. “Isso não deixa de ser salutar para o crescimento de qualquer negócio. Portanto, penso que as empresas legalmente estabelecidas no Brasil e que buscam complementar suas linhas com matérias-primas ou mesmo importar uma parte de seu mix de produtos fortalecem o setor. Somos contrários à importação de forma irregular, feita, em muitos casos, por escritórios que nem sequer têm instalações industriais no país. É a chamada importação predatória, que só destrói a indústria nacional”, enfatiza Pires, que afirma ainda não ser verdade que as grandes confecções sozinhas estão deixando de produzir internamente e importando produtos de outros países. É fato que esse número tem crescido muito entre as empresas, mas não são as grandes confecções sozinhas que respondem por esse aumento. Hoje, qualquer pessoa com um escritório e um telefone pode importar grandes volumes de confeccionados sem ser incomodada. “A indústria têxtil no nosso estado deixou de receber a atenção devida e, em troca, inúmeros importadores se instalaram e passaram a fazer seus negócios. Isso está causando enorme dano àquilo que o estado tinha de melhor, que é seu DNA de produtor têxtil. Qualquer produto ou negócio que passe longo tempo por um processo assim tende a se enfraquecer e isso pode ocorrer aqui também.”
CONFECÇÕES: O QUE PENSAM SOBRE O ASSUNTO?
Agir neste momento delicado e instável em que vivem as confecções requer coragem e decisões acertadas, e muitas delas vêm investindo em ideias criativas e “pé no chão”, como Kleber de Jesus Duarte, dono da confecção infantil capixaba Tutti i Colori e membro do Sinconfec. “Nosso modelo de negócio sempre foi pautado num valor que consideramos essencial numa indústria de confecção infantil de pequeno porte, que são a criação e o desenvolvimento de produtos diferenciados no mercado, sendo criatividade, qualidade e conforto nossas maiores referências. Esse valor acaba fortalecendo a imagem da marca e desperta no cliente a vontade, a alegria e o prazer saudável de adquiri-lá por seu encantamento, o que acaba sendo uma vantagem competitiva importante, principalmente nos tempos atuais. Contudo, o momento requer muitas outras ações paralelas para nos mantermos mais seguros no mercado e que procuramos seguir, como canais de venda bem definidos e avaliação de novas praças, participação em feiras de lançamentos de coleções, atendimento diferenciado ao cliente, avaliação cadastral competente, atualização tecnológica e incentivo às pequenas inovações no ambiente da fábrica, valorização e conscientização dos funcionários e representantes para o comprometimento, gestão financeira responsável, gestão integrada (vendas,compras e estoques), fornecedores de qualidade, gestão da produção com avaliação contínua e constante da produtividade para sua otimização, valorização do associativismo por meio da participação nas entidades empresariais e aumento/melhoria da rede de relacionamentos.”
Kleber diz que quem vivenciou o setor têxtil nacional tempos atrás, especialmente o movimento que se via nos estandes de feiras como a Fenit e outras, quando confrontado com a realidade atual, tem um sentimento de nostalgia ao recordar quão pujantes eram essas empresas no mercado e como elas foram importantes para o surgimento, a disseminação e o desenvolvimento da indústria de confecções em nosso país. “De uns tempos para cá, no entanto, a realidade mostra que boa parte dessas indústrias têxteis não resistiu à competitividade dos importados, além de outros fatores, e, nas principais feiras do setor que acontecem atualmente no país, observa-se uma mudança no mix dos expositores, que antes era predominantemente nacional e hoje compete também com a presença mais intensa da indústria de outros países e de importadores, além de se observar o surgimento de novos modelos de negócios, como, por exemplo, o beneficiamento de tecidos importados, em que são aplicadas técnicas de estamparia digital e outras a critério do cliente, a oferta de desenhos digitais e outros negócios intensivos em serviços.”
http://www.wrmoda.com.br/
Alessandra Zegaib, diretora comercial das grifes My Lady, My e Ladybelt, que estão há 27 anos no mercado, localizadas em Brasópolis (MG), afirma que a empresa está vendo a crise como um sinalizador de mudanças urgentes, mas que será um momento que trará melhorias para o setor. “A crise atingiu nossa empresa, mas em porcentual muito baixo se comparada aos concorrentes. Isso porque nós trabalhamos com produtos muito especializados, de sustentação, atributos e tamanhos grandes. Então a produção desses artigos é bem mais complexa e os maiores clientes continuaram comprando somente produtos internos.”
Para Jorge Moscardi, diretor comercial da Mixte, marca de pijamas dirigida ao segmento Premium do mercado, localizada em Jaraguá do Sul (SC), o que mudou não é a situação dos produtos chineses e sim o incremento do custo Brasil, que foi potencializado com a apreciação do real. “Diretamente não fomos atingidos pela crise, já que nossos clientes, lojas de lingerie Premium multimarcas, não trabalham com produtos importados, mas indiretamente sim, pois ninguém está contabilizando as toneladas de produtos têxteis que ingressam nas malas dos turistas e afetam principalmente os segmentos que atendemos. Nossa estratégia é fazer produtos cada vez mais aprimorados e diferentes, que não se encontrem a preços baixos em Miami e Nova York”.
Pedro Eduardo Fortes, diretor-executivo do Grupo Júpiter Oficina, que agrupa as empresas Dominguez & Saicali, Recoleta, Kill e a grife Dominica, localizado em Guarulhos e em Taboão da Serra (SP), conta que hoje os chineses representam quase 10% do consumo de roupas no Brasil, cerca de 600 milhões de peças, que fazem com que a indústria nacional seja encolhida, o que acaba gerando a desindustrialização, principalmente no segmento de roupas femininas, e que os magazines mais fortes estão cada dia importando mais, visando à rentabilidade. “A crise nos afetou, pois nossos maiores clientes estão importando cada vez mais, principalmente as peças básicas, que vêm da China e da Índia, deixando-nos com a parte de modinha, mais rápida de produzir e consumir. Tanto a facção quanto a indústria sofrem na mesma proporção”, declara Fortes.
De acordo com Reinaldo Gomes Júnior, gerente de planejamento estratégico da Equus, que conta com fábricas em São Paulo e Minas Gerais, se por um lado a entrada de produtos chineses caracteriza-se como uma ameaça em função do quase impraticável custo com o qual muitos produtos chegam ao mercado nacional, por outro é uma oportunidade que demanda adaptação, podendo criar condições para melhorias significativas nos negócios. “O faturamento da Equus tem crescido 8% ao ano nos últimos quatro anos, sem contar a expansão da rede. Essa é uma performance acima da média no segmento. Várias ações foram tomadas internamente para ancorar esse crescimento e, como todo negócio, também temos na nossa ‘carteira’ situações de crise, como lojas que infelizmente tivemos que fechar. O mercado está cada vez mais competitivo e, para lidar com a concorrência acirrada, estruturamos ações como a adoção de ‘produção puxada’, a reorganização do processo produtivo, o uso de comitês de produto e a gestão de estoque de toda a cadeia de lojas, investindo na qualificação de pessoas e em sistemas mais flexíveis.”
Gomes conta que as condições oferecidas pelo mercado externo exerceram pressão na escolha entre comprar e produzir. “Na Equus, a importação também cresceu, porém a decisão por esse canal de fornecimento deu-se pela necessidade de atender ao crescimento que vínhamos obtendo, pois somente com os fornecedores nacionais não conseguiríamos absorver toda a produção adicional demandada com a competitividade necessária em alguns itens de nosso portfólio. De maneira geral, pelo menos para nós, a importação significou demanda adicional e não redução da produção local.”
DESCRUZANDO OS BRAÇOS
Para que o setor têxtil e confeccionista saia do momento de crise que enfrenta, algumas medidas podem ser tomadas. O economista Alcides Leite afirma que seriam importantes uma mudança no sistema tributário e trabalhista e um aumento na taxa de investimentos do país. “Uma resposta efetiva para a crise do setor seria a elaboração de um plano nacional voltado a ele. O governo, os empresários, os trabalhadores e o setor de pesquisa e tecnologia deveriam se reunir para definir novos rumos para a indústria têxtil e de confecção no país, definindo os setores mais promissores da cadeia industrial, a inovação nos processo produtivos, o desenvolvimento de centros de design e de criação, entre outras coisas. Isso seria fundamental para fortalecer a indústria.”
Já para Roncaglia, de efeito imediato, as medidas anunciadas pelo governo trarão uma recomposição da margem de lucro, mas a redução de custo tributário seria mais estimulante se viesse acompanhada de alguma desvalorização cambial, o que daria ao empresário algum fôlego para inovar e investir em produtividade.
Fernando Pimentel, da Abit, ressalta que temos um alto potencial de consumo interno a ser explorado, e essa é uma oportunidade fantástica para alavancar esse setor da economia criativa.
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Fonte: Site REVISTA COSTURA PERFEITA | www.revistacosturaperfeita.com.br
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